língua mãe
APRESENTAÇÃO
“Língua Mãe”, que dá nome a este encontro-ritual, situa-se no horizonte de um acontecimento da maior importância que vem se alastrando por todo Brasil. Trata-se da afirmação das diversas línguas indígenas na cena da disputa política pelos territórios originários, objeto do violento rapto colonial que funda o país. Um rapto que se acompanhou da denegação da existência de seus povos originários e que, não por acaso, incluiu o apagamento de sua diversidade linguística, o que vem se perpetuando até hoje.
O recalque desta diversidade linguística é uma das estratégias micropolíticas centrais do rapto colonial destas terras. Se o ativismo indígena contribui para o enriquecimento da paisagem linguística do país, ele também denuncia a ação persistente do Estado brasileiro em apagar essas memórias linguísticas, confrontando sua violência transgênica que atinge o chão e os corpos. Um canto, um gesto, a expressão de uma palavra, a palavra-canto têm sua origem no afeto: são expressões da língua-mãe. Colocá-los em circulação traz à tona outros modos de viver e denuncia o patriarcado canalha que justifica o racismo estrutural: revela-se, assim, que a monocultura linguística é um projeto, e não a mera consequência da história colonial que fundou a sociedade brasileira.
Não à toa a UNESCO instituiu o período de 2022 a 2032 como a Década Internacional das Línguas Indígenas, reconhecendo que estas línguas guardam →
Curadoria: Ailton Krenak, Andreia Duarte e Suely Rolnik
saberes ancestrais sobre os seus territórios, sobre os processos de cura, sobre a floresta e são instrumentos de combate contra a crise climática.
No Brasil, redes de linguistas indígenas ao lado de seus anciãos revitalizam suas línguas em um campo amplo: mapeando os idiomas falados no cotidiano das comunidades indígenas, dando atenção às línguas de sinais indígenas, à temática do português com influência da palavra indígena e resgatando as línguas adormecidas por meio de diferentes tecnologias que incluem, especialmente, as referências trazidas pelos sonhos e os rituais.
As políticas colonizadoras de desaparecimento da memória não contavam com a potência da palavra indígena demarcando a continuidade dos seus modos de produção de existência que, por serem conduzidos pela conexão com os afetos, garantem a criação: a produção de uma diferença no mapa social vigente, sempre que a vida o exige para retomar o ritmo em seu fluxo. Ocupar esta fábrica, tomar em mãos sua gestão para lhe imprimir esta outra micropolítica, é um elemento decisivo na disputa pelo destino destas terras e de todos seus habitantes, humanos e não-humanos. Compartilhar e colocar em diálogo palavras portadoras de distintas experiências para incrementar sua circulação nas veias do corpo social, adoecidas pela língua colonial – é a isto que se propõe o encontro-ritual Língua Mãe, língua parideira de mundos.
PROGRAMAÇÃO
18 de maio | São Paulo
Museu das Culturas Indígenas
10h - Abertura
Instituto Maracá - Cristine Takuá e Carlos Papa (Terra Indígena do Rio Silveira, Bertioga - SP)
Antes do Tempo Existir - (Performance artística baseada no espetáculo de mesmo nome), com Lilly Baniwa (Campinas - SP)
Apresentação com Ailton Krenak (Terra Indígena Krenak, Resplendor - MG )
Encontros
11h às 13h30 - 1º Encontro
Nhe`e - palavras-espíritos ou cápsulas das "boas palavras"
O primeiro encontro do Língua-mãe traz a presença de representantes do povo Guarani, nossos anfitriões territoriais. A proposta sugere uma discussão sobre a importância da linguagem Guarani na construção do bem-viver e como essa prática acontece no tensionamento das políticas coloniais que silenciaram e seguem silenciando as linguagens indígenas para impedir a afirmação de sua potência, inviabilizando assim a memória e a resistência destes povos.
Convidados:
Saulo Guarani (Terra indígena Amba Porã - Miracatu, Vale do Ribeira - SP)
Catarina Cunhã Nymbopy’ruá (Terra Indígena Piaçaguera, Peruíbe - SP)
Davi Popygua (Terra Indígena Jaraguá, São Paulo - SP)
Moderação: Carlos Papa (Terra Indígena do Rio Silveira, Bertioga - SP).
15h às 17h - 2º Encontro
Línguas-espíritos e as tecnologias ancestrais na revitalização das línguas indígenas.
A proposta deste encontro é refletir sobre a importância dos saberes das línguas indígenas na produção dos seus modos de existência. Evocar a perspectiva indígena, do ponto de vista linguístico, no contexto das redes de revitalização das línguas adormecidas, assim como mostrar como esses trabalhos são feitos a partir de metodologias, mapeamentos, registros e tecnologias baseadas, especialmente, nos sonhos, nos rituais e nas línguas-espíritos.
Convidadas:
Ana Suelly (Universidade de Brasília - UNB - BSB)
Altaci Kokama (Coordenação Geral de Articulação de Políticas Educacionais Indígenas do Departamento de Línguas e Memórias Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas - BSB)
Anari Pataxó (Membro do Grupo de Pesquisadores Pataxó - Atxohã e do GT Nacional para Década das Línguas Indígenas Brasil - MG)
Moderação: Cristine Takuá (Terra Indígena do Rio Silveira, Bertioga - SP).
17h às 18h
Saudação dos MestreS de SabereS do Museu das Culturas Indígenas
Mestres de Saberes irão fazer uma saudação na própria língua, finalizando o dia com um canto e roda junto com o público.
Entrada gratuita com reserva antecipada no Sympla.
PROGRAMAÇÃO
19 de maio | São Paulo
Museu das Culturas Indígenas
10h às 12h - 3º Encontro
Um pé no mundo outro na aldeia: indígenas em situação urbana
Nesta conversa, pretende-se pensar o resgate, em contextos urbanos, das línguas indígenas adormecidas , entendendo essa ação como um trabalho coletivo de criação, que não se limita à linguagem verbal. Serão trazidas à tona discussões sobre estratégias pedagógicas desenvolvidas nas escolas indígenas, os efeitos da presença indígena nas universidades, tanto na formação de professores, quanto nas pesquisas, dissertações e teses, bem como os diálogos com anciãos comunitários, que emergem das convivências multiétnicas e multilinguísticas. Serão igualmente abordados a presença das línguas indígenas na escrita artística, literária e teórica e seus efeitos transformadores na língua colonial.
Convidados:
Auritha Tabajara (Guarulhos - SP)
Dario Machado Terena (Terra Indígena Araribá, aldeia Kopenoti, Avaí - SP)
Awa Kuaray Werá (Aldeia Multiétnica Filhos Desta Terra, Guarulhos - SP)
Márcia Kaingang (Campinas - SP)
Moderação: Leandro Karaí Mirim (Supervisor do Núcleo de Comunicação do Museu das Culturas Indígenas - SP)
14h às 16h30 - 4º Encontro
O sentido do Nhe`e – Carlos Papa e Suely Rolnik
Carlos Papa e Suely Rolnik são convidados para falar sobre o sentido do Nhe`e – “boas palavras” na cosmologia Guarani, ou "palavralmas", como propõe Rolnik, em diálogo com a cultura Guarani. O exemplo do Nhe'e permite revelar que os termos da língua Guarani são cápsulas-embriões em estado potencial de germinação de novos sentidos, em resposta às demandas da vida e seus efeitos no corpo, respostas conduzidas pela perspectiva primordial do bem viver.
Convidados:
Carlos Papa (Terra Indígena do Rio Silveira, Bertioga - SP)
Suely Rolnik (Núcleo de Estudos da Subjetividade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC -SP)
17h às 18h
Grupo Miitxya Fulni-ô (Águas Belas-PE) - Virada Cultural
O povo Fulni-ô vem de Águas Belas, no interior do Pernambuco, onde há 13 etnias com cerca de 5 mil pessoas. São conhecidos pela sua luta, seus artesanatos, cantos fortes, danças e o ritual sagrado Ouricuri, que atualmente realizam no maior sigilo. A sua língua materna é a Yaathê, elemento essencial para a manutenção de seu modo de vida. O Grupo Miitxya Fulni-ô estará presente apresentando a sua dança tradicional, o Toré, entoada em cantos (cafurnas) na sua língua mãe. Após a apresentação, o grupo explicará a importância do idioma falado para sua cultura.
Entrada gratuita com reserva antecipada no Sympla.